O Consórcio Nordeste diante de uma CPI de verdade
UMA CPI DE VERDADE
Instalada no Rio Grande do Norte, uma Comissão Parlamentar
de Inquérito faz o trabalho que deveria ser feito em Brasília: investigar a
corrupção na pandemia.
Durante seis meses, o alto comissariado da CPI da Covid
chefiado por Renan Calheiros (MDB-AL), Omar Aziz (PSD-AM) e Randolfe Rodrigues
(Rede-AP) produziu centenas de manchetes de festim contra a condução da
pandemia pelo governo federal. Mandou prender, devassou a vida de opositores e
triturou reputações de profissionais da saúde. A poucos dias de sua votação no
Senado, contudo, o relatório final da CPI gasta mais de mil páginas em
malabarismos retóricos para tentar camuflar um ponto crucial: não conseguiu elaborar
uma única denúncia robusta de desvio dos cofres públicos.
Sem o picadeiro transmitido ao vivo pela TV Senado, um grupo
de cinco deputados estaduais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte e
seus respectivos suplentes resolveu fazer o serviço direito. Em agosto, a Casa
aprovou uma comissão para investigar 12 contratos que a governadora Fátima
Bezerra (PT) firmou durante a crise sanitária. Já nas primeiras reuniões,
tinham um nome, uma cifra e um misterioso “Consórcio Nordeste” a serem investigados.
O homem da caneta do tal consórcio era o petista Carlos
Eduardo Gabas, que adquiriu 300 respiradores que nunca existiram ao custo de
quase R$ 50 milhões. “Foi um dos maiores roubos durante a pandemia do
coronavírus, não tenho dúvida nenhuma disso”, afirmou o deputado estadual Kelps
Lima (Cidadania), que preside a CPI potiguar. “Há confissão, delação premiada e
os documentos são estarrecedores.”
Quem é Carlos Gabas
Antes de traçar o caminho do roubo em curso aos cofres
públicos, o leitor pode se perguntar: mas, afinal, quem é Carlos Gabas?
Trata-se de um nome que apareceu dezenas de vezes em pedidos de convocação na
CPI do Senado, mas foi protegido pelos xerifes da covid.
Gabas é um político da cidade de Araçatuba, no noroeste
paulista, servidor de carreira do INSS. É um daqueles petistas orgânicos,
ligados à máquina partidária. Muito amigo de figuras como o ex-presidente da
sigla Ricardo Berzoini, do Sindicato dos Bancários, e do prefeito de
Araraquara, Edinho Silva. Foi Berzoini quem o levou para o ministério de Lula
quando comandou a pasta da Previdência Social, cargo que o próprio Gabas
herdaria anos depois na gestão Dilma Rousseff. Quando o ministério precisou ser
leiloado em troca de guarida política no Congresso e ficou com o PMDB, Dilma o
instalou na Secretaria de Aviação Civil — ainda que não haja nenhum registro
prévio de sua experiência na área.
Àquela altura, entretanto, seus conhecimentos sobre o espaço
aéreo brasileiro eram o que menos importava. Gabas havia se tornado amigo
pessoal da então presidente. Ficou famoso nas páginas de jornais quando os
fotógrafos que faziam plantão no Palácio da Alvorada descobriram que era ele
quem a levava para passear na garupa das motos Harley-Davidson aos fins de
semana.
Carlos Gabas e Dilma Rousseff | Foto: Divulgação
Assim como o segundo governo Dilma, o destino das
motocicletas tampouco terminou bem. Acabaram apreendidas pela Polícia Federal
durante a Operação Custo Brasil, da Lava Jato. Gabas foi investigado por
participar de um propinoduto que abastecia o caixa do PT por meio de assalto
aos fundos de pensão e à folha de empréstimos consignados de funcionários
públicos. Foi levado pelos policiais em condução coercitiva para prestar
depoimento, mas ficou calado. Outros colegas, como o ex-ministro Paulo
Bernardo, marido da presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, foram presos.
Respiradores fantasmas
Com a saída de Dilma e do PT do governo, o nome de Gabas
andava esquecido. Até que um escândalo (devidamente acobertado pela imprensa
tradicional) veio à tona na Bahia no ápice da pandemia. Entrou em cena o
Consórcio Nordeste, criado pelos nove Estados da Região e chefiado por outro
amigo de Gabas, o governador da Bahia, Rui Costa (PT). Gabas é o segundo no
escalão da autarquia. É ele quem carimba as negociatas.
O consórcio intermediou a compra de 300 respiradores da
empresa Hempcare Pharma. O nome se refere a uma importadora de produtos
derivados de maconha dos Estados Unidos. Um dos escritórios da empresa fica na
cidade de Araraquara, no interior paulista.
O contrato assinado foi de R$ 48,7 milhões, sendo que a
maior fatia, de R$ 10 milhões, saiu do caixa do governo baiano. Os demais oito
Estados arcariam, juntos, com R$ 40 milhões. A unidade do respirador foi orçada
em R$ 160 mil. A Bahia comprou 60, e os demais, 30 cada um.
Rui Costa, governador da Bahia | Foto: Divulgação
O Ministério Público e a Polícia Civil da Bahia farejaram a
pilantragem. Em síntese, a Hempcare atuava como lobista da compra de
respiradores de uma empresa chinesa, que tampouco era do ramo e usava
documentos falsos. Negociata amadora de fachada. A dona da Hempcare, Cristiana
Prestes Taddeo, foi presa e teve os bens bloqueados. Só que o dinheiro público
sumiu.
Foi aí que Cristiana Taddeo resolveu falar. Disse que pelo
menos R$ 12 milhões foram pagos em propina para intermediadores dos aparelhos
fantasmas. O restante acabou pulverizado em subcontratos num novelo que ninguém
conseguiu desembaraçar até agora. As investigações correm em segredo de
Justiça. O que se sabe é que, já com a corda no pescoço, Cristiana pediu
socorro a outra fabricante de aparelhos, desta vez nacional e curiosamente
também de Araraquara: a Biogeoenergy, que levou R$ 24 milhões.
Como a trama foi revelada e entrou no radar das autoridades,
inclusive de Brasília, o proprietário da Biogeoenergy, Paulo de Tarso, deu a
seguinte explicação: “A empresa tem margem de lucro. Não fico com o dinheiro
parado. Não tenho que devolver dinheiro para o Consórcio Nordeste, tenho que
entregar os respiradores. Prometi entregar para o governo do Estado, que se
recusou a receber”. Em outras palavras: ele disse que usou o dinheiro, supostamente
para começar a fabricar os respiradores. Mas, como o contrato virou alvo de
investigação e o governo da Bahia não quis mais os respiradores, ficou tudo por
isso mesmo. O caso segue sendo investigado pela polícia baiana.
O secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Telles
Barbosa, confirmou a fraude durante a operação policial. “Não encontramos
nenhum respirador pronto. Por mais que a empresa alegasse a intenção de
entregar modelos nacionais e não os chineses, eles tampouco existiam.”
Arte: Artur Piva
Irmão de alma
Com 240 mil habitantes, Araraquara é uma cidade paulista de
porte médio, às margens da Rodovia Washington Luís. O município tem a 40ª
economia do Estado. Foi de lá que o país acompanhou algumas das manchetes mais
absurdas na pandemia, como o longo e rigoroso confinamento obrigatório da
população. A cena de uma mulher detida com truculência pela Guarda Civil
Municipal (GCM) porque estava sentada sozinha numa praça rodou o país.
Mas não foi só. O prefeito Edinho Silva, também ex-ministro
de Dilma e ex-tesoureiro de campanhas do PT, foi citado na delação da dona da
Hempcare. Segundo Cristiana Taddeo, Carlos Gabas a procurou porque Edinho
precisava de 30 respiradores, mas não tinha como comprá-los. O amigo de
Araraquara era chamado por Gabas de seu “irmão de alma”, conforme os documentos
que agora a CPI do Rio Grande do Norte esmiúça. Cristiana disse que entendeu o
recado como um pedido para que os aparelhos aparecessem como doação — algo em
torno de R$ 1,5 milhão, valor que mais tarde seria ajustado nas planilhas do
Consórcio Nordeste.
Gabas chegou a comparecer à CPI para prestar depoimento, mas
ficou em silêncio
A prefeitura de Araraquara admitiu em documento oficial que
receberia os ventiladores hospitalares como doação do consórcio. Como eles não
foram entregues, o papel foi revogado por Edinho Silva. “É ridículo atribuir
‘ato de corrupção’ a doação de equipamentos para enfrentar a pandemia,
respiradores para atender interesse público”, disse Edinho, por escrito. “Se
todos os atos de corrupção fossem equivalentes a esse, não existiria desvio de
recursos públicos no Brasil. O que existe, de fato, é uma tentativa desesperada
do negacionismo e dos seus interlocutores em desgastar as medidas adotadas por
Araraquara no enfrentamento à pandemia.” Ele também foi convocado para prestar
depoimento à CPI.
Um detalhe importante deve ser frisado mais uma vez: não
existiam aparelhos prontos. Nunca existiram.
Edinho Silva, prefeito de Araraquara | Foto: Marcelo
Camargo/Agência Brasil
O que a CPI nordestina busca
Além de aprovar as convocações de todos os envolvidos na
trapaça, um dos principais feitos da CPI nordestina foi conseguir a quebra dos
sigilos telefônico, bancário e fiscal de Gabas. O extrato bancário ainda não
foi enviado pelo Banco Central. O petista chegou a comparecer à CPI para
prestar depoimento, mas ficou em silêncio diante dos deputados potiguares.
“Carlos Gabas é pago com dinheiro do povo nordestino para defender os
interesses da Região, não os de Araraquara”, afirma Kelps Lima. “Havia uma
cláusula de seguro no contrato para que os Estados recebessem a indenização se
os respiradores não fossem entregues. Ela foi retirada e os Estados ficaram no
prejuízo. O consórcio virou uma ferramenta para desvio de dinheiro público.”
Colocado contra a parede, o Consórcio Nordeste ainda deu um
jeito de culpar o governo Jair Bolsonaro, que não tem absolutamente nada a ver
com a negociata. “A aquisição conjunta de ventiladores pulmonares ocorreu em
meio à já flagrante e notória falta de coordenação nacional por parte do
governo federal”, afirma uma nota do grupo.
O texto diz ainda que “sem a devida coordenação nacional, as
aquisições realizadas diretamente por Estados e municípios sujeitam-se aos
riscos e às condições impostas pelo mercado internacional, como a antecipação
do pagamento, a assunção de risco cambial, a inclusão de custos com transporte
e seguros, além da alteração substancial dos preços praticados”. Termina
dizendo — é claro! — que a autarquia continuará empenhada na luta contra o
“negacionismo”.
O que a CPI de Brasília escondeu
O senador cearense Eduardo Girão (Podemos) foi quem mais se
empenhou na apuração do que aconteceu no Nordeste, enquanto Renan, Omar Aziz e
a ala da histeria promoviam seus shows na TV. Girão disse mais de uma vez ao
microfone em duas entrevistas a Oeste que havia blindagem explícita aos
governadores da Região. “Dos 17 membros da CPI, dez senadores são
representantes do Nordeste e 82% são do Norte e Nordeste. Coincidência? Não.”
Mas pouco adiantou. Girão pediu a convocação de Gabas e a CPI barrou. A
falcatrua dos respiradores descrita acima estará no centro do seu relatório
paralelo da CPI.
Uma autarquia comandada pelo PT, que repassa recursos
públicos a aliados por meio de empresas de fachada e cujo dinheiro vai parar no
bolso de quem não deveria. Esse enredo, seus personagens, o partido político, o
tal Consórcio Nordeste, tudo isso tem a cara de um velho Brasil — e seus
escândalos de nomes aumentativos, como mensalão e petrolão. A CPI potiguar resolveu
investigar o covidão.
Fonte: Revista Oeste
https://revistaoeste.com/revista/edicao-83/uma-cpi-de-verdade/
Para
receber no seu celular o áudio e texto do Podcast Ivan Maurício é só mandar o
número do seu Zap e um “oi” para o meu Zap (81) 986067127.
“Podcast
Ivan Maurício” agora está no Spotify
https://open.spotify.com/show/3Gjxg9YP9lm1KRpqHSjtvt
Inscreva-se
no “Canal Ivan Maurício” no YouTube:
Banda de Pífanos Cultural de Caruaru
https://www.youtube.com/channel/UCaXe_35VYXjqd1B9jANaVDQ
Acesse o
Blog do “Podcast Ivan Maurício”: https://ivanmauricionoticias.blogspot.com/
Inscreva-se
no “Ivan Maurício Podcast” no Telegram:
https://t.me/+oU6_o0Dh49k4ZWNh
Twitter:
https://twitter.com/ivanmauricio
Facebook:
https://www.facebook.com/ivan.mauricio.75
GETTR: https://gettr.com/user/ivanmauricio
TikTok: https://www.tiktok.com/@podcastivanmauricio
Comentários
Postar um comentário